domingo, 30 de dezembro de 2007

DOM ALOÍSIO, PASTOR DE SONHOS E MESTRE EM HUMANIDADE.

Marcelo Barros

Partiu Dom Aloísio Lorscheider. Mais um de nossos melhores bispos que soube ser pastor para toda a Igreja e profeta para o mundo. Um homem que, a qualquer pessoa que se aproximava dele, impressionava em primeiro lugar pela força de sua opção evangélica e pelo testemunho de sua fé amorosa. Quem conheceu Dom Aloísio sabe que era um homem de fala mansa e postura serena que nunca seria confundido com um revolucionário exaltado. Eu o conheci ainda nos meados dos anos 60, pouco depois do Concílio Vaticano II. Ainda estudante de Teologia, comecei a atuar no movimento pela unidade das Igrejas cristãs que, na época, era uma opção forte da maioria da Igreja Católica e do próprio papa Paulo VI. Dom Aloísio, jovem bispo da diocese de Santo Ângelo, RS, era o presidente da Comissão Nacional de Ecumenismo da CNBB. Várias vezes foi ao Nordeste e ali nos encontrávamos e ceávamos juntos na fraternidade dos irmãos de Taizé. Ele foi praticamente o redator do primeiro diretório ecumênico feito pela Igreja Católica no Brasil (1969). Era um documento aberto e profundo que dizia claramente à Igreja Católica que não adianta fazer pastoral ecumênica (encontro com cristãos de outras Igrejas) se não se fizer um esforço profundo e permanente de dar uma dimensão mais ecumênica e aberta a toda a teologia e a toda a pastoral. Mais tarde, ele se tornou secretário da CNBB e posteriormente presidente. Foi nomeado arcebispo de Fortaleza e eu o encontrei poucas vezes, embora acompanhava como ele soube reunir os bispos do Ceará em torno dos problemas sociais graves do Nordeste. Só o reencontrei em 1999. Eu tinha dado uma entrevista a uma revista de Roma, na qual, respondendo a uma pergunta, eu disse que, para enxugar uma sala molhada, a primeira providência deve ser fechar a torneira. Eu achava ótimo o papa (João Paulo II) ter coragem de pedir perdão por erros cometidos por papas e bispos do passado. (Hoje, temos saudade desses gestos de humildade vindos do papa). Mas, se ele não mudasse o modelo de Igreja responsável por aqueles erros, continuaria inevitavelmente a cometer novos erros para um papa do futuro (que aceitar se rever) pedir perdão. Fui condenado por isso e tive de me explicar com superiores religiosos de minha ordem e com organismos da Cúria Romana. Estava instalado um processo que dificultava o meu trabalho de assessoria às comunidades e queimava o meu nome em muitos ambientes católicos. Dom Aloísio Lorscheider, então arcebispo de Aparecida, era o presidente da Comissão Teológica da CNBB. Eu pedi para falar com ele e ele me recebeu no dia seguinte. Foi ele mesmo me buscar na rodoviária de Aparecida e me levar à casa dele onde me ofereceu um lanche e conversamos uma boa parte da tarde. Era um homem de profunda capacidade de escutar e de abertura interior a quem pensava diferente. Disse-me que concordava comigo no conteúdo, mas discordava do modo como me expressei. De qualquer forma, não considerava justa a censura ou a condenação e se comprometeu a dar um testemunho sobre minha colaboração positiva com tantos organismos de Igreja no Brasil. Menos de um mês depois, recebi uma cartinha dele prestando conta desta sua missão e, ao menos por um tempo, não tive mais problemas em viver a missão junto com o povo das comunidades. Dou este testemunho pessoal porque sei que outros companheiros e amigos, como o nosso irmão e mestre Leonardo Boff, tiveram com ele a mesma experiência de acolhida e apoio. Dom Aloísio não foi só um zeloso pastor do povo, mas uma espécie de padrinho para todos os que aceitam o risco de pensar a fé e a teologia a partir da caminhada de libertação dos empobrecidos e excluídos. Ele não só era um bom teólogo, mas um defensor da liberdade de pesquisa teológica e do direito do dissenso na Igreja. A partida de Dom Aloísio nos deixa mais órfãos, ao mesmo tempo, conscientes de que, nos tempos atuais, nós mesmos temos de tomar nas mãos a tarefa e sermos, como comunidades e movimentos, profetas e construtores de um novo mundo, como de Igrejas que sejam ensaios e sacramentos do reino divino. Muito obrigado, Dom Aloísio. No céu, continue sendo nosso padrinho.

Nenhum comentário: